Recordando I
Tem dias em que as coisas nos vêm á memória… No meu livro “ Pequenas Memórias” , falo do nosso rio Arunca…e alguns episódios ocorridos com esse rio. A minha vizinha do lado era a Clarisse Blanc Esteves, ela vivia na parte de baixo com o marido e os filhos, a mãe, a D. Ester, no andar de cima, com o marido, o sr. Anselmo . Eram parentes do Dr. Paiva e de vez em quando tinham a visita do Dr. Paiva e família. A mulher do Dr.Paiva era uma senhora fina, que não sendo muito expressiva era simpática. A Teresinha a filha, saiu ao lado da mãe na figura. A pesar de tantos filhos, a Teresinha ficou sempre elegante. Já a Lenita, era mais expansiva, mais o lado do pai …Ela não teve filhos e depois de perder o marido…foi-se abaixo…e fico por aquí. O Dr. Fernando vinha pouco, ficou viúvo muito cedo e com uma filha de 8 ou 10 anos para criar. Do filho mais velho, também médico, se a memória não me falha, foi muito novo para os EU com a mulher e os filhos…Teve gémeos e um deles morreu com uns 4/5 anos… A mulher do Dr. Paiva era espanhola, com um sorriso doce. Não recordo do que morreu. A Teresinha uma vez veio a Pombal , visto que o marido também era da mesma terra. E ainda só tinha a Marisa , a filha mais velha. O que recordo é que sendo magra, levava um vestido largo…soube depois que era da gravidez. E como sempre, foram visitar a Clarisse… E nesse dia, andava lá o pedreiro a cimentar o quintal…a tal grande obra de que falo no meu livro…escoando a água para o rio…. A Marisa, teria nessa altura uns 5/6 anos e saiu para ir ao quintal como era hábito fazer…e os passos dela ficaram impressos no cimento que estava fresco…o pedreiro chamou-lhe a atenção, porque não podia andar por ali…e lá correu ela para o pé da mãe, chorando lágrimas de infelicidade, que me fazem sorrir hoje ao recordar a cena, porque eu estava lá…a mãe encostando-a a si num abraço carinhoso, tentando explicar porque não podia ir ao quintal nesse dia… Pequenas coisas que nos ficam na memória… Recordo ainda a D. Marquinhas ( Maria do Céu ) casada com o senhor Armando Simões, que está naquela fotografia enorme no Teatro –Cine e que viviam na mesma travessa do Sr. Arcipreste, mesmo ao lado da Farmácia Barros… O pai da D. Marquinhas enviuvou e voltou a casar com a mãe do Sr Gilberto Ascensão que é por isso meio-irmão da D. Marquinhas. A D. Marquinhas, muito branquinha de pele e de cabelo era muito boa com os bordados e uma cozinheira de se lhe tirar o chapéu. Teve 2 filhos, a Fernanda e o Armando. O Armando casou e foi viver para Moçambique, por lá morreu sem ter tido filhos. A Fernanda era da mesma idade da minha tia Esmeralda, irmã da minha mãe. Esteve quase para ser minha tia…quando no meu baptizado, conheceu o meu padrinho, irmão mais velho do meu pai…O namoro durou um ano…mas terminou. Mas a Fernanda sempre ficou amiga, os pais já o eram dos meus avós e com o facto de a minha tia viver em Vila Real, ela ficou mais em contacto com a minha mãe. Com pouco mais de 20 anos, foi para Lisboa trabalhar nos CTT, onde já estava uma prima da minha mãe, também de Pombal e cujo pai, primo da minha avó, foi vereador da Camara, de nome Braz Teixeira…que vivía numa casa, frente à Pérgula do Jardim, que foi deitada abaixo para construir o prédio de 3 andares que lá existe… As duas Fernandas, como lhes chamavam, trabalhavam as duas nos CTT, mas não a atender o público… Quando fui estudar para Lisboa, chamavam-me para lá ir ter com elas…a Repartição era na Rua Braancamp, era sempre uma festa…e mais esta e aquela, que vinham ver a “filha da Guida”. Os anos passam e as pessoas também se vão desta vida… mas…havia os almoços dos Antigos alunos Colégio… e havia aquele grupo que se reunia em Lisboa, naquela pastelaria ao cimo da Rua de S. Bento…onde todas se encontravam…E já reformada, eu ia de vez em quando a Lisboa porque a Fernanda Simões me pedia… E quando eu chegava, ela toda feliz, dizia para eu esperar um pouco porque tinha de fazer uma chamada… Eu esperava…e no dia seguinte, lá me arrastava com ela à tal pastelaria onde já estavam todas…a Teresinha Paiva, a mulher do Dr. Saul, a Manuela, uma filha do Capitão Tavares Dias, duas irmãs que tinham andado no Colégio, a Felícia, colega dos CTT, …e o centro das atenções era…eu, a filha da Guidinha. A Fernanda tinha contado a história da doença da minha mãe, além de muitas vezes ser testemunha, porque de vez em quando ia a Pombal e ficava na minha casa… Eu era o centro das atenções naqueles momentos…mas sempre desviei as atenções da minha pessoa, preferia que me contassem coisas…Momentos divertidos, que trazem boas recordações…as muitas gargalhadas, as muitas histórias contadas, as desgraças de cada uma, que elas iam contando…nem tudo era um mar de rosas, mas tentavam superar um pouco com aqueles encontros, que cada vez tinha menos pessoas…porque a morte e as doenças não perdoam… Tudo isto porque fiquei a saber só agora que a Teresinha também partiu…engraçado… as Teresas morrem mais cedo ou é impressão minha??? Teresa Fernandes, minha colega de turma e da minha idade, já se foi há uns anos…filha da D. Branca, que vivia quase ao lado dos correios , Teresa Magno, que soube por acaso, tempos depois de ter morrido, Teresinha Quaresma …e tantas outras que conheci… Muita luz para todas as que já se foram. Obrigada a todas pelo muito ou pouco que estiveram na minha vida. Paula Gameiro 5/02/2021 Recordando…II
Meu avó materno tinha por hábito, todos os dias de S. Martinho, 11 de Novembro, ir jantar a casa do sr. Manuel Henriques, que fazia anos neste dia e convidava um grupo de amigos. Do jantar, propriamente dito, ele não falava…que tinha corrido bem…etc e pouco mais. Sempre ouvi falar do sr. Manuel Henriques, cuja casa, se avistava das nossas janelas. Não tenho recordações do senhor…até que fui estudar para Lisboa em 1964. Minha mãe, não queria que eu fosse estudar mais, porque meu mano deixou de estudar…Se ele não queria…eu também não tinha o direito…nada mais injusto… Bati o pé e disse que ia estudar. Meu pai autorizou e lá fui com a minha mãe a Lisboa, para me inscrever… O pior foi lá…Não me queria deixar ir para onde eu queria. Lá tive que ficar na Escola Josefa de Óbidos, muito perto do cemitério dos Prazeres, para onde iam todas…quando terminavam a Formação Feminina. Ali mesmo na secretaria foi uma briga , porque me queria obrigar a ir para Bordados. Como já tinha tido a minha dose de bordados…disse que não. Só me davam dois cursos à escolha: Bordados ou Modista. Escolhi Modista, pensando que pelo menos faria a minha roupa. A outra escola que eu queria, nem pensar…tinha turmas mistas e não podia ser. Ainda foi a escola a indicar o lar, onde eu poderia ficar, resolveu-se tudo e voltamos para casa, de comboio, aquela coisa que leva toda a gente…Pouca terra…pouca terra…. No 1º ano, nunca queria que eu fosse de comboio passar o fim de semana….( nunca fiando…o meu irmão já tinha fugido de casa…), então ela pedia boleia, sempre que podia. Uma das pessoas a quem pediu foi ao sr. Manuel Henriques, que disse que sim , sem qualquer problema e sempre que eu precisasse. Por esta altura meu avö já tinha falecido há dois anos. Foi assim que fiquei a conhecer o senhor. Foi simpático comigo, vinha à frente ao lado do motorista, sempre a falar. Da 2ª vez que me trouxe, na despedida, perguntou-me: -Tem medo de mim?- respondi que não e expliquei o meu problema auditivo e como devia falar comigo. Ele retorquiu:- Eu sei que a menina fala e até canta, que ouvi histórias do seu avö…e sorriu. Ficou por aquí a conversa e quando tornei a vir com ele, fiquei surpresa: vinha sentado atrás, mesmo sem mais pessoas. Explicou-me que vinha atrás, para falar comigo. Agradeci, claro. Falou toda a viagem…Política, negócios, etc…um sem fim de motivos. Sempre sentado, com a bengala entre as pernas e as mãos apoiadas na bengala. Estas são as recordações que tenho dele. Ele tinha 3 netos, filhos da filha casada com o dr. Jorge Ferreira. A Mitó era a mais nova e uma menina doce, mais velha que eu, sempre a encontrava com a mãe na rua e quando eu ia com a minha mãe, lá ficavam as mães a conversar…O Zé Carlos que era o filho do meio, se a memória não me falha . Foi médico, como o pai, tal como era fisícamente parecido com ele. Esse, acho que nem me conhecia, mas podia ser só impressão minha…tal como o pai…era uma inclinação de cabeça e já estava o cumprimento feito. O mais velho era o Tó Jorge, que eu sempre via com a Teresa Magno, porque namoravam desde que eu me conhecia.. A Gabriela Magno, minha colega de turma e irmã mais nova da Teresa, sempre ia nos bailes com o irmão. Da Teresa nunca me lembro de a ver nos bailes, tal como a Mitó. Nesta altura havia uns bailes, na Pensão Pombalense, que era gerida pela mãe da Isabel Damâso, uma senhora que já estava viúva. Não tenho recordaçoes do marido dela. Sempre me lembro dela viúva. Esses bailes, no Carnaval, eram tipo familia, todos se conheciam. Eu ia com a D.Clarise Blanc Esteves, a minha vizinha do lado e as filhas dela e às vezes era a mãe , a D. Ester que ia com as meninas todas. O Tó Jorge ia nesses bailes e às vezes, convidava-me para dançar…eu devia ter nessa altura uns 14 anos e ele pelo menos mais 10 anos que eu..como era tudo gente conhecida… Um dia, ele perguntou-me se podia sentar na cadeira do lado…Respondi que sim, porque a Manuela estava a dançar…mas que quando ela voltasse…ele tinha que sair….e mal acabei de dizer isto, é que dei conta do que tinha dito..Ainda procurei um buraco onde me enfiar…mas não havia…com muita pena minha e nem me atrevia a olhar para ele.. A música terminou, Manuela vinha para se sentar, começou logo outra música a tocar e eu fui “arrastada “ pelo Tó que me tinha pegado na mão e me levou, sem perguntar se eu queria dançar… Nem me atrevi a dizer nada…mas quando olhei para ele…os olhos…esses riam descaradamente por detrás das lentes dos óculos. Dançou e ainda passou toda a dança a cantar, porque estava perdido de riso…mas nem uma palavra me disse sobre o que eu lhe tinha dito… Voltei a vê-lo várias vezes em Lisboa anos mais tarde, frequentava o mesmo café onde eu ia, mas nem uma palavra. Eu falo quando as pessoas me falam, se não me falam…é poque não querem. …E nunca mais o voltei a ver…já lá vão 50 anos. E hoje sorrio, ao relembrar estas idiotices da minha adolescencia… Paula Gameiro Verão de 62
Um Verão que me marcou. Eu e o meu avô fazíamos anos no mesmo mês , com 15 dias de diferença. Era o dia dos anos do meu avô e fomos jantar a casa deles, em frente á nossa. Nessa altura, vivíamos por cima da Vinícola e o quintal fazia parte da casa. Ao nosso lado, vivia a Clarisse, que tinha 3 filhos: a Lena, da idade da minha prima, o Jorge, que era da minha idade e a Manuela mais nova que eu e no andar de cima vivia a d. Ester, a mãe, já viúva há uns anos do sr. Anselmo. Em frente da Clarisse, numa casa que já foi deitada abaixo, vivia o Sr. Arrais, com a D. Augusta e os filhos , o Víctor e o Carlos, quer era da mesma idade do meu irmão. O Victor tinha a mesma idade do meu primo Luís António. Os putos brincavam todos. Se algum de nós ficava doente…lá vinha o Dr. Paiva, que dava a volta a todos a ver se algum tinha pegado aos outros. Neste Verão, o Sr. Arrais já tinha deixado a rua e tinha-se instalado na entrada de Pombal, quase perto da Fonte do Emporão. Como sempre fomos jantar a casa dos avós para festejar os anos do avô. O jantar decorreu normalmente, na sala de jantar porque era dia de festa. Depois meu pai e meus irmãos foram para casa. Eu e minha mãe ficamos a arrumar a mesa, etc. Era quase meia noite, quando nos despedimos da avó…Meu avô já tinha subido para se deitar. Ainda nem tínhamos apagado a luz da escada, batem à porta com muita força, tinha um batente em forma de mão…era minha avó, chamando o meu pai, para ir ajudar o avô que tinha caído… Lá foi meu pai de pijama a correr…era pau para toda a obra…era ele quem nos dava as injecções…etc… O avô estava caído e tinha batido com a sobrancelha no mármore da cómoda…tinha tido uma trombose. Já se tinha chamado o Dr. Paiva que minutos depois estava ali. E meu avô sem dar acordo…o Dr. disse que estava em estado de coma. E em coma continuou nos 4 dias seguintes. Eu disse que ia para casa, mas minha mãe não me deixou. Ali fiquei os os 5 dias seguintes. Dormia vestida, na salinha de leitura ao lado do quarto dos avòs. E naquela altura, tinham por costume, as vizinhas e amigas, irem fazer um pouco de velório…Chegavam depois de jantar, algumas já tinham estado de tarde e ali ficavam sentadas no corredor, junto da porta do quarto do meu avô… A D. Lindó, irmã do sr. António Serrano, a D. Ester, a mulher do sr. Neca Serrano, e mais algumas…conversavam em voz baixa para passarem o tempo de vela… No 5º dia meu avô abriu os olhos…nada falou…estava paralisado do lado direito e por volta das 4h da tarde, fez um esgar de dor e …finou-se. Foi a 1ª vez que vi alguém morrer… tinha 14 anos e 20 dias. E no dia seguinte foi o funeral. Era hábito os comerciantes fecharem meia porta dos estabelecimentos em sinal de luto ou quem não tinha empregados fechava por completo para ir ao funeral. Calhou ir á janela e vi aquela gente toda ali, esperando o funeral sair, para acompanhar ao cemitério. Uma das pessoas que mais me marcou, foi a D. Augusta, a mulher do Sr. Arrais. Chegou e antes de cumprimentar, foi beijar o meu avô na testa. E chorava. Só muito mais tarde fiquei a saber que o meu avô os tinha ajudado a estabelecerem-se. Muitos anos depois, voltei a encontrar a D. Augusta…Eu tinha ido levar o meu filhote à Apepi…ela regressava das compras do mercado… Cruzámo-nos ali na subida da rua da sra Gertudes e ficamos um pouco na conversa... Perguntou-me pela minha mãe, respondi que ia lá a casa nesse momento para ver como ela estava. Olhou para mim, muito espantada: -Mas tu não vives com os teus pais? Respondi que não, vivia em frente do mercado com o meu filhote… Aflita, com uma cara de preocupação, só me disse: - Ai, filha, como é que tu consegues??? Se tu não ouves??? Dei-lhe um sorriso e respondi : -Eu só não ouço, tanto como os outros. De resto faço tudo o que os outros fazem. Quando voltar ao mercado, toque na minha porta e tomamos um café, disse-lhe eu. Olhou para mim, como se eu fosse não sei o que e deu-me um grande abraço. E cada uma foi para o seu lado… Boas almas e grandes seres humanos. Encontrei muitas e já se foram deste mundo. Continuando … O funeral do avô decorreu sem incidentes. Voltei e vim a falar com a Manuela Ramos, a única das minhas colegas de turma que recordo, ter ido ao funeral. Ficamos um pouco na praça da Igreja Matriz a conversar. Ela foi para a rua dela e eu para a minha… Entrei pela porta da cozinha e dei com os meus pais e meus tios, e avó na salinha de visitas… Minha mãe sentada no sofá, estava ausente…parecia que nem estava ali. Minha avó na cadeira de braços, parecia que nem era nada com ela… E minha tia e o marido em frente do meu pai, aos berros com ele… E fiquei atenta…Minha tia, gritando, dizia- Ó Luís , pela alma do meu querido pai… até que percebi o que ela estava a pedir… Nada mais nem menos, que o meu futuro e o dos meus irmãos…O mais novo só tinha 9 anos… O meu coração, naquele momento, caiu aos meus pés, por assim dizer…E fiquei a pensar…” era minha madrinha, como pode pedir uma coisa daquelas ao meu pai e destruir todos os meus sonhos???” Os filhos dela nem tinham ido ao funeral…continuavam em Vila Real, para não prejudicar os estudos… e a mim…era isto… Ela renunciou à parte da herança que lhe cabia, renunciou, sim…mas porque sabia que o marido nunca iria pagar um tostão que fosse, das dívidas do pai dela. O que ela tinha pedido ao meu pai…era muito simples: ela renunciava à parte dela, em troca o meu pai pagava todas as dívidas do sogro. 40 anos depois deram o dito por não dito e puseram os meus pais em tribunal, para fazer partilhas do meu avô... Fácil, não é? E escreveram lá: não há dívidas… Pois não…40 anos depois já o meu pai tinha pago tudo, vendendo muitas das propriedades que tinha na aldeia dele. Oito longos anos durou este processo…Apesar das testemunhas que contaram toda a verdade, apesar de eu ter dado uma carta, escrita pela mão da minha tia em que ela afirmava: “ EU É QUE SOU A FILHA, E A MINHA PALAVRA ESTÁ DADA E NÃO VOLTA ATRÁS” , para o tribunal de nada valeu: puseram meus primos com herdeiros… E a juiza escreveu, depois do depoimento das testemunhas que contaram que meu pai tinha pago tudo e tinha comprado a casa de volta: “ AOS COSTUMES, NADA DISSE.” Justiça???? NÃO EXISTE E NUNCA EXISTIU . NUNCA TIVEMOS JUSTIÇA. Mas …Deus não dorme…e escreve direito por linhas tortas: o processo deu entrada no tribunal no dia 19/04/89…e nesse dia, meu tio sentiu-se mal e pediu ao genro que o levasse ao hospital…assim foi…e no dia 19/05/89, exactamente um mês depois, meu tio foi prestar contas a Deus… E a Graça minha prima, dizia que queria fazer a vontade do pai…Retorqui que o pai NÂO ERA FILHO do avô. …E foi assim que virei a má da história… minha prima acusou-me de provocar a morte do pai… por causa da…casa…a que a mãe dela tinha renunciado, quarenta anos antes. Eu que fiquei sem o curso , que queria, porque a mãe dela pediu…” por alma do pai dela, acabado de enterrar…” ao meu pai… Isto NÃO é ser família… Paula Gameiro Ainda o Verão de 62…
E o Verão continuava a deslizar… Meus tios, depois do funeral voltaram para Vila Real, em Trás-os –Montes, onde viviam. A reboque levaram os meus irmãos, com a desculpa de que iam assistir às corridas de automóveis… Mas…a verdade era outra… nada tinham dito aos filhos da morte do avô e não sabiam como iriam reagir, tanto mais que ele era Padrinho do meu primo e tinha sido o neto mais velho…Ele tinha nessa altura 19 anos, quase 20. Daí terem levado os meus irmãos…como “bengalinha de apoio”, por assim dizer. Eu fiquei…Mas … apesar de estar a estudar e ter passado de ano…não podia ficar …à “solta”… Minha mãe, achou que devia aprender a fazer crochet…E vai daí, colocou-me em casa da D. Conceição Pessoa, que vivia naquela casa grande amarela do largo de S. Sebastião. Nesta altura, já tinham morrido os irmãos, o Sr. Padre Carlos e mais tarde a D. Laura. A D. Conceição vivia acompanhada da Maria, que era a empregada…Ladina, simpática e sempre despachada, era mais uma amiga para a patroa, a quem cuidava com todo o desvelo , que uma empregada… …E eu…era a Paulinha…e lá ia todas as tardes, para aquela casa… Era Verão, tempo de calor…subia as escadas de fora, que estavam de lado…e lá dentro…meu Deus…a porta que dava para o quintal aberta e aquele cheiro tão intenso das flores, que perfumavam todo o ar, cuidadas com tanto carinho pela Maria…que orgulhosa do seu trabalho, quando comentei o odor que dali vinha, me levou ao quintal para apreciar a sua obra. Poucas flores hoje têm aquele perfume tão intenso. A maioria nem tem cheiro…que tristeza. Ainda hoje, passados tantos anos…tenho de cheirar as flores e sobretudo a fruta. Se não tem cheiro, não interessa. A D. Conceição estava sempre na salinha do 2º andar, sentada numa cadeira de praia, daquelas de pano, como as que havia na Praia da Figueira da Foz. Mais tarde, a Maria explicou-me que até dormia ali, porque sofria do coração, e como estava forte, só conseguia respirar sentada. Ali comia, fazia o seu crochet, etc. E aquelas duas almas, tinham toda a paciência do mundo, para me aturarem…afinal eu tinha acabado de perder o meu avô… Falamos…muito…eu fiquei a saber histórias que me contavam, a Maria tinha sempre um bolachinha que ela fazia ou qualquer outra coisa para me apaparicar, apesar de eu levar lanche… Também se trabalhava…mas ia ao correr do meu tempo. Um dia perdi a agulha de crochet e fui à loja para o meu pai me dar outra…Como eu sabia onde estavam , meu pai disse para eu ir buscar. Assim o fiz… Havia vários numeros…e peguei na que me parecia melhor… Perdi a agulha e devo ter perdido um parafuso na mesma altura… Fiz o naperon: ponto normal…raso…com uma laçada, duas e tres…ponto cruzado, etc e tal…Terminei o trabalho e fartei-me de rir às gargalhadas… As duas senhoras sem preceberem porque me ria daquela forma…Rindo ainda, contei a história de ter perdido a agulha no caminho ..e ter ido buscar outra…que por sinal era…mais grossa. Daí a minha risada… em vez de um naperon quadrado…tinha feito um naperon de forma que parecia um trapézio…uma parte mais larga que a outra. Ainda tenho essa “obra”..Efeitos de adolescencia… E pelo meio das aulas de crochet, conheci a biblioteca lá de casa…Fiquei encantada…e mais ainda, quando me disseram que podia trazer para casa qualquer livro para ler. Nem foi preciso oferecer de novo. Escolhi logo um e veio comigo…Não havia TV…e meu pai e meu avô tinham-me incentivado o gosto pela leitura… e todos os dias trazia um livro, dois ou 3 dias depois, levava de volta…Já leu? Perguntavam admiradas…Sim …e a D. Conceição sempre puxava por mim…queria saber como era o livro..personagens…etc. Eu respondia. E trazia outro… Minhas férias nesse Verão…foram estas… Depois a vida muda…fui estudar para Lisboa, por lá fiquei uns anos e depois emigrei…e nem tive tempo de lá ir ver aquelas duas senhoras que me tinham tratado tão bem.. Muito mais tarde, soube que a Maria tinha morrido e a Mariazinha Varela contou-me depois que tinha trazido a tia para a sua casa e tinha tratado dela até ao final. É…a vida. E ela é feita destes pedaços maravilhosos e outros que não são tão maravilhosos. Paula Gameiro A 21 de Julho de 2020 foi constituída a associação Costumes e Diálogos – Associação Cultural com o seguinte objectivo:
A cultura assume um papel cada mais mais importante e determinante no desenvolvimento das comunidades, nas suas diversas vertentes, sendo que tem um contributo muito decisivo no processo de diferenciação entre regiões/populações. Pode-se mesmo afirmar que a diferenciação é a alavanca que permite a uma comunidade assumir um papel de relevo, único, autêntico, com vantagens nítidas em sectores actualmente muito importantes para a competitividade social como é, por exemplo, o sector do turismo. Trabalhar a cultura, em particular o Património Imaterial (PI), (mas este assunto será abordado mais à frente), como fenómeno potenciador de criar reconhecimento e mais-valias para o território pombalense é o principal objectivo desta associação. É um projecto que se prevê estar “em velocidade de cruzeiro” num prazo de 5 anos. Para que isso aconteça, foram estabelecidos compromissos de prioridade, nomeadamente: Compromisso com a identidade cultural da região, através da preservação e divulgação do seu PI. Este é, aliás, o principal pilar do trabalho desta associação, pois é através do PI que se consegue trabalhar a diferenciação. Os usos, costumes, cantares, etc, são de tal foma genuínos, únicos, que ao serem divulgados, contribuem para uma afirmação cultural da região pombalense perante as outras regiões. Compromisso com a contemporaneidade, pois torna-se necessário que o PI tenha uma linguagem contemporânea, do ponto de vista estético, para melhor ser difundido e compreendido por todas as gerações. Será a melhor forma da sua preservação. Compromisso com o entretenimento, como caminho de divulgação da riqueza cultural proveniente do PI. Compromisso com o Branding Cultural e o Merchandising. Desenvolvimento mais aprofundado dos compromissos IDENTIDADE Nesta área (prioritária) pretende-se implementar um processo de recolha cultural, abrangendo todo o Concelho de Pombal (de forma faseada), com carácter de urgência, pois trata-se da àrea que está mais em risco de se perder totalmente. Este trabalho tem como referência o levantamento cultural de 1983/85. Também como ponto de partida, esta associação dispôe de um vasto espólio imaterial que lhe foi doado e confiado, que necessita de ser digitalizado. A digitalização do PI afigura-se como essencial para a sua preservação (através da capacidade de divulgação que o mundo digital oferece), permitindo a aproximação e interacção da comunidade pombalense espalhada pelo mundo. Este trabalho tem a experiência encetada nas redes sociais (nomeadamente o Facebook) de partilha do PI pombalense, com o envolvimento de milhares de pombalenses, distribuidos por vários paises. A realização de documentários culturais sobre esta temática será também uma prioridade (o vídeo é a melhor plataforma de comunicação actualmente), numa vertente, não só de divulgação mas também numa perspectiva de memória futura. Este objectivo tem como meta conseguir conteúdos suficientes de forma a criar uma plataforma de vídeo na net, toda dedicada à região. Entendemos que este objectivo contribuirá fortemente para a divulgação da nossa região. CONTEMPORANEIDADE Pegar no património cultural e metê-lo numa gaveta não fará sentido. Como fazê-lo chegar a todas as gerações de forma aglutinadora e motivadora, para que toda a comunidade se envolva? Será, no nosso entender, através de uma “linguagem estética” contemporânea, que vá ao encontro das pessoas. Será, no fundo, materializar toda a nossa riqueza cultural em projectos culturais. Como exemplo, damos o recente projecto musical Pé Fresco, que partindo da recolha popular de canções, transmitidas oralmente através dos tempos, as trabalhou com sonoridades contemporâneas. Mantendo a melodia mas criando novas harmonias, conseguiu criar interesse em gerações tão diferentes no «gosto musical», no fundo, agradando a «velhos e a novos». Destradicionalizar é o lema a seguir, porque a imposição de um determinado tipo de padrão cultural, rigido, inconsequente, com falta de qualidade e desprovido de verdade, como é o caso, por exemplo, dos ranchos folclóricos, afasta as gerações da nossa cultura endógena. É precisamente o contrário que se pretende, tornando as memórias contemporâneas. ENTRETENIMENTO É preciso criar momentos de festa, de partilha da cultura, porque esta é a forma de levar mais perto das pessoas a própria cultura. Com esse objectivo, esta associação pretende realizar um projecto, chamado Folkmore – Living Memories, dedicado a toda a temática da identidade pombalense. BRANDING e MERCHANDISING Criar a «Marca Pombalense» em termos culturais, com uma estratégia de comunicação adequada. Produzir produtos culturais tendo o PI da região como «pano de fundo», sempre com um perfil de colecção. Ex: edição de músicas em formato multimédia, livros, postais, do PI recolhido. Resumo da actividade da associação a desenvolver ✓ Digitalização do espólio existente e a obter. ✓ Levantamento cultural do Concelho de Pombal ✓ Realização de documentários culturais sobre a identidade e a memória colectiva. ✓ Realização do projecto Folkmore – Living Memories Formas de divulgação do trabalho obtido ❖ Através de site sob o formato de Arquivo Digital ❖ Boletim cultural on-line ❖ Plataforma digital de documentários. Notas finais: Este projecto é um projecto pioneiro em Pombal e também em Portugal, em diversos aspectos. É uma urgência cultural tratar o PI, pela potencialidade que oferece à identidade pombalense e pelas memórias que representa. Pombal é uma região centenária, com características muito peculiares e únicas. Apesar de estarmos com um atraso de pelo menos trinta anos (com a perda de identidade que isso representa) ainda é possível recuperar uma parte importante do PI. |
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